sábado, 19 de setembro de 2015

Quem vem lá boiando no rio? - Ricardo Azevedo


É um barquinho de papel feito por um menino matando aula?
Uma folha de jornal?
Um baú de recordações?
Uma cédula de identidade?
Uma caixa-preta contendo verdades inexplicáveis?
Uma nota de mil?
Um mero ponto de vista?
Um artefato inútil?
Um manual de instruções?
Uma panaceia?
Anotações filosóficas atiradas ao léu?
Um plano de ação?
Um corpo afogado?
Pílulas anestésicas?
Pedaços picados de uma carta de amor?
Formas abstratas sem qualquer significado?
Mercadoria proibida por lei?
Um diário íntimo?
Um estupefaciente?
Um cheque sem fundo?
O resultado de um exame laboratorial?
Um documento falsificado?
Um brinquedo?
Um plágio?
Uma senha?
Uma sina?
Um cálice de veneno?
Uma prova de autoestima?
Um artigo de fé?
Um holerite?
Um canto de sereia?
Propaganda?
Letras de sangue contaminado por vírus?
A confissão de um crime ou de um sonho?
Uma garrafa trazendo a esperança
última de um náufrago?

Chegou a hora.
É urgente, urgentíssimo.
Torna-se imprescindível descobrir,
de uma vez por todas,
quem vem lá
boiando
nas palavras desse rio.


(Do livro Ninguém sabe o que é um poema).

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...