quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A DISFUNÇÃO ERÉTIL - Paulo Sant' Ana



Boa parte de grandes cronistas barasileiros, de que gosto, estão mortos. É o caso de Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade.
A crônica se alimenta de temas cotidianos. Mas vai além da linguagem jornalística, ao acrescentar pitadas de humor, ironia, comédia ou tragédia.
Paulo Sant ' Ana escreve diariamente no jornal Zero Hora de Porto Alegre. Seus textos são bons, algumas vezes nem tanto.
me diverti e refleti com a crônica a seguir.


A medicina tem a obsessão de mudar os nomes: trocou oculista por oftalmologista, assim como a rótula, este popular osso do joelho, passou agora a se chamar patela.



Os médicos, ou melhor, a medicina, na sua incansável ânsia reformista-vocabular já mudou o nome do perônio para fíbula e da omoplata para escápula.


O cúmulo desse delírio transformista se dá com as falsas cordas vocais. Como se sabe, existe em anatomia as cordas vocais e as “falsas cordas vocais”.


Pois saibam, senhoras e senhores, que agora a medicina trocou o nome das falsas cordas vocais para pregas vestibulares, credo em cruz, até parece que querem transferir as atribuições dos otorrinos para os proctologistas.


Outra frescura da medicina pós-moderna foi mudar a broxura para disfunção erétil.


Um amigo meu foi estes dias consultar um médico para disfunção erétil.


O médico colocou-o numa sala fechada e envolveu o pênis do meu amigo num aparelho que mais parecia um trambolho de marceneiro, de onde emergiam fios que se comunicavam com o computador do médico.


O facultativo tentava medir por aquela geringonça o tamanho da disfunção erétil de meu amigo.


Depois de 45 minutos daquele exame constrangedor, o médico deu ao meu amigo o seu diagnóstico: o máximo que meu amigo vinha tendo e podia vir a ter era uma semiereção.


Meu amigo concordou com o diagnóstico e disse ao médico que com aquela incompletude ele não vinha cumprindo nem seus deveres maritais nem seus desvios adulterinos, pelo que necessitava urgentemente de uma reforma na sua área de potência.


O médico concluiu com meu amigo: ele teria de submeter-se a um tratamento que custaria R$ 1.200 mensais e duraria 24 meses.

Meu amigo despediu-se do médico com as seguintes palavras: “Não vai dar. Em primeiro lugar, muito caro. Em segundo lugar, tenho 70 anos e é quase certo, pela marcha que vai minha saúde, que não chegarei a viver mais dois anos, os dois anos da redenção que o senhor me promete. Eu precisava de uma solução urgente, falta pouco para terminar minha vida e o senhor me oferece um prazo fatídico. Cá para nós, meu doutor, não existe na cidade um pronto-socorro para disfunção erétil?”.


O médico: “Não existe. Fora o Viagra, que o senhor me disse não ter funcionado no seu caso, só talvez a prótese peniana, que no entanto apresenta resultados altamente duvidosos.”


O meu amigo saiu do consultório, depois de pagar a consulta, e entrou desesperado na primeira porta de psiquiatra que encontrou no mesmo prédio. Como não pôde consertar o defeito primacial do seu corpo, foi tratar de pelo menos desentortar a cabeça.


 
Zero Hora, Quinta-feira, 05 de agosto de 2010

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...